Capítulo 1 - Maria Gilda
Segunda-feira seguinte ao julgamento de Maria Elisa...
Um homem alto, moreno, olhos negros e cadeira de rodas bate na porta da Irmandade.
— Boa tarde! Em que posso ajudá-lo?
— Boa tarde! Eu sou Claudio Gouveia Lopes, sou o irmão mais velho da Gilda. O senhor é o Frei Severo?
— Não. Padre Donato. Entre!
— O senhor teria outra entrada sem esse degrau?
— No fundo. Por aqui. — Pai Papinha o ajuda a dar a volta. — Entre! Gostaria de tomar um café conosco.
— Claro! — Ele revira a mala e tira dois pacotes de biscoito. — É pouco, mas é o que posso ajudar.
— Não precisava! — Pai Papinha pega os pacotes e serve bolo de fubá, café e biscoitos para ele.
— Obrigado! — Os outros padres e Marcelino chegam para o café da tarde. — Boa tarde!
— Boa tarde! Quem é o senhor? Você tem uma cadeira igual a da Clarinha.
— Você deve ser o Marcelino. Eu sou o Claudio, irmão da Gilda.
— Ela tem irmão?!
— Três, mas eu sou o mais velho.
— E o que o senhor veio fazer aqui?
— Cuidar de você. — Frei Severo interrompe.
— Como assim? Cuidar dele e nós?
— Frei, a Gilda tinha a tutela do Marcelino. O Leonel estando vivo, automaticamente anula o casamento dela com o Orlando. Só que antes disso eu tinha solicitado a anulação desse casamento, mas isso é conversa para outro dia.
A Gilda estando presa ela perde a tutela. E o juiz achou por bem ficar comigo até um novo julgamento. Mas durante as investigações do meu detetive consegui localizar a Rosa. Então precisamos fazer uma visita formal para saber se ela não tem intenção de buscar o Marcelino.
— Esse menino já sofreu demais. O senhor vai mesmo tirá-lo de nós?
— Eu só estou aqui para cumprir a lei. Eu não tenho casa na cidade. E não posso deixar que o Marcelino falte a escola ou a missa em hipótese alguma. Se os senhores concordarem e não for muito incômodo. Eu gostaria de me hospedar com os senhores. — Frei Leão diz:
— Frei Severo, deixa o ragazzo ficar. Melhor que deixar nosso bambino ir embora de novo. — Frei Trovão concorda:
— Frei Severo, ele parece ser uma boa pessoa. Deixemos! — Marcelino:
— Padrão, ele pode dormir no meu quarto. — Frei Severo:
— Está bem. Mas preciso conversar melhor com o senhor.
Depois do café da tarde, na sala do Frei Severo....
— O senhor morava a onde?
— Belo Horizonte. Eu sou promotor. E fui transferido para Águas de São Jacinto com o afastamento do doutor Sílvio.
— Você pode me contar a história do senhor, da Gilda e dos seus irmãos.
— Eu não sei tudo. Eu nasci em São Paulo, filho de Virgilio Lopes e Mariana Rodrigues Lopes. Minha mãe estava grávida da Gilda. Quando o meu pai foi buscar a herança de mamãe em São João da Boa Vista e nunca mais voltou.
Chegou o dia do parto e minha mãe virou estrelinha. Eu com quatro anos não tinha como cuidar da minha irmã. Então a freira do hospital me levou para um orfanato e a Maria Gilda para outro.
Eu fiquei no orfanato até os doze anos. Então o padre me perguntou se não gostaria de ir para o Seminário Menor. Então fui para o seminário dos frades menores no interior de São Paulo. Quando completei a idade voltei para São Paulo para estudar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Foi quando os padres me deixavam passear na cidade aos sábados. Foi quando comecei a procurar a minha irmã.
Depois de dois anos. Eu já não morava com os padres eu morava em uma pensão próxima da faculdade. Um amigo me convidou para ir na casa da Madame Chantily. O senhor a viu no julgamento sabe que tipo de casa se tratava. Quando a vi, eu vi a minha mãe. Eu não consegui falar com ela. Depois de muita insistência eu consegui falar com a Madame. Mas a Gilda já tinha vindo para São Jacinto.
Tive que esperar até o Natal para conseguir vir para cá atrás dela. Consegui finalmente conversar com ela.
— Ela te contou o que ela fez antes de vir para cá?
— Sim. Ela foi adotada por um casal que deu o nome de Bárbara para ela. Com poucos meses de vida. Eles tiveram um acidente e ela foi morar com a avó. E lá ela passou por coisas horríveis. Com quatro anos ela fugiu de casa e se perdeu por São Paulo.
Ela dormiu pelas praças, passou fome, comeu restos, ficou sem água, com frio. Um mendigo ajudou ela por um tempo. Depois ele morreu e ela teve que cuidar do cachorrinho que o acompanhava.
Ela passou meses em orfanatos e reformatórios. Até que ela encontrou a Madame Chantily que cuidou dela. O filho da Madame, Romeu, levou a Gilda para trabalhar num escritório de contabilidade. Eles roubaram o escritório. Ele fugiu e a culpa caiu toda sobre a Gilda. Então a Madame Chantily disse que pra Gilda continuar na casa dela só trabalhando... Foi quando ela conheceu o doutor Silvio e veio para São Jacinto. Ai lhe pergunto: como encontrar o amor em alguém que não conheceu o amor?
— Eu não saberia encontrar. E seus outros irmãos?
— Depois que terminei os estudos. Eu prestei a prova e passei para a promotoria de Belo Horizonte. Então consegui contratar um detetive para procurar o meu pai. Depois de três anos.... ele descobriu: que meu pai abriu uma sociedade com o seu Leonel Rubião, com o dinheiro da minha mãe, casou com uma moça daqui na delegacia. Obrigado pelo pai dela e tiveram um filho. Depois quando o seu Leonel descobriu que o meu pai era amante da dona Maria Eugênia expulsou o meu pai da sociedade. Então entrei com uma petição reivindicando os direitos da minha mãe sobre o hotel. O seu Leonel que já estava casado com a Gilda fez um acordo comigo.
— Um acordo?!
— Sim. Ele me devolvia a minha parte em dinheiro e dava a Gilda as ações que eram dela, mas que eu não falasse pra Gilda quem era meu pai. Eu não contei nada. Mas continuei investigando. E por coincidência. Meu pai era vizinho do escrivão do Fórum. E fui com ele no velório do meu pai. Estava o Orlando e a Lucilia, mas quando vi o Orlando tive certeza que ele era meu irmão. Meses depois o detetive veio a confirmar. E que a Lucilia também era minha irmã.
— Que história! E você sempre esteve nessa cadeira?
— Foi a dois meses. Quando escorreguei numa casca de banana. E cai 20 degraus no cortiço que morava. Quebrei o osso da coxa. O médico imobilizou com a esperança de que um dia o osso voltasse para o lugar. E a outra perna não está quebrada, mas sinto muita dor. Então preferi usar essa cadeira.
— Bem, e o caso do Marcelino?
— Primeiro, vamos conversar com a Rosa. Se ela entregar o Marcelino para adoção oficialmente. Vou pedir uma guarda provisória até que o juiz designe o Marcelino para uma família. Agora... se ela quiser o Marcelino devo devolvê-lo a mãe. Mas pelo que o advogado da Gilda me contou. O Marcelino pode ser filho do Orlando e da Maria Elisa. Se confirmando, vou sugerir ao seu Leonel que ele requisite a guarda do Marcelino como marido da Gilda. E fique com o Marcelino até o casamento.
— E casados o doutor Orlando e a Maria Elisa se tornam os pais do Marcelino oficialmente.
— Exato.
— Pois bem! Vamos cuidar da sua hospedagem.
No Candinho de Dendê...
— Mainha!? — Verônica abre a carta de sua mãe.
— O que ela diz?
— Julinho, ela vendeu a casa e tá vindo morar aqui. Ela vem quarta-feira.
— Que bom. Ela vai conhecer meu irmãozinho ou irmãzinha.
No dia seguinte, na escola...
— Bom dia! Eu sou o novo promotor Cláudio Gouveia Lopes, sou irmão da Gilda e estou com a tutela do Marcelino.
— E o senhor tem alguma exigência?
— Se alguém que não for os padres, o Orlando ou a Marê vier falar com ele. Quero ser comunicado imediatamente.
— Pode deixar. Você tem medo de alguma coisa?
— Se eu bem conheço a minha irmã... Ela não faria mal para o Marcelino, mas pode querer conversar
— Entendo. Se algo acontecer eu lhe aviso.
Na quarta feira, na frente da casa da Verônica...
— Bi! Bi! Bi!
— Mainha?! — Verônica desse até o portão. — Mainha?! Que bom que você veio. Entre! — As duas entram na casa de Verônica e se sentam ao redor da mesa. — Fiz cuscuz que a senhora adora.
— Obrigada filha. Precisamos procurar uma casa para mim.
— Essa!
— Essa?!
— O dono está vendendo a casa inteira. Eu fico nessa metade e a senhora na outra.
— A ideia é boa, mas vamos analisar os critérios. E aquele gavião ainda anda lhe cercando?
— Anselmo é página virada.
— Assim espero.
Tempos Depois...
No Hotel Budapeste
— Boa tarde! Posso falar com o seu Leonel Rubião?
— Da parte de quem?
— Lucas Rubião.
Próximo capítulo: 4 de outubro de 2023.
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